22 de janeiro de 2008

Doze

Uma rua praticamente deserta, doze anos depois. Se encontraram por acaso. Não pensavam mais um no outro.

- Meu Deus, há quanto tempo?

- Muito - ele respondeu, a voz meio cansada, meio alterada pela ressaca.

- Muito - concordou ela.

- O que você faz por aqui?

- Vim para o show dos Stones. Você também?

- É. Mas foi meio fraco, não acha?

- Eu gostei.

- Pô, eles não tocaram nada mais antigo, do Beggar's Banquet, por exemplo.

- Você e as músicas antigas. Sempre um relógio analógico num mundo digital.

- Gostei disso. Inventou agora? - ele perguntou ironicamente, ofendido.

- Arrã. Tenho minhas tiradas.

- Todos têm o seu dia. Tá sozinha?

- Com meu marido.

- Casada? Não brinca!

- Claro que sim. Você não?

- Nem pensar.

- Nem pensou em amadurecer um pouco nesses onze, doze anos? - corrige ela rapidamente.

- Sei, casar é amadurecer. Claro.

- Não me venha com essas ironias. Pela roupa vejo que ainda sofre de Síndrome de Peter Pan. Essa camisetinha justa não fica bem na barriga de um coroa.

- Há quem goste.

- Claro, na Praça Mauá.

- Quem é o irônico, mesmo? - revida ele.

- Touché.

- E esse tal marido, te faz feliz?

- Sim, é claro.

- Como eu te fazia feliz?

- Você não me fazia feliz. Me deixava com tesão. No começo era bom, mas casal nenhum agüenta viver só trepando.

- Não me parece uma má idéia.

- Não foi a impressão que eu tive nas últimas vezes.

- Touché - ele sorriu.

Ela sorriu de volta e virou-se atendendo ao chamado de um homem mais velho, que acenava de dentro de uma minivan de luxo.

- Teu marido tá chamando. Carro de coroa o dele, hein?

- Esse é o meu. O dele é um 4x4 importado.

- Claro que é. E aposto que ele tem uma lancha também.

- Jet-ski.

- Seria minha segunda alternativa.

- Você ainda veleja?

- Cada vez mais. E ainda coleciono carros esportivos e ainda jogo videogame. Mais alguma pergunta para você medir o grau de maturidade?

- Não, nenhuma.

- E ainda trepo como quando tinha 25 anos - ele completou por conta própria no momento em que uma garota de 21 pendurou-se no braço dele, usando top e microssaia. Ela olhou com desdém para a menina, balançou um pouco a cabeça e despediu-se dos dois.

Ao entrar no carro, sentiu o gosto amargo de uísque que sempre sentia nos lábios dele, o cheiro do suor de seu umbigo, a textura de seu pêlos. Uma breve memória sensorial da vida que teve.

Ele, ao beijar a ninfetinha ao seu lado, sentiu o perfume importado que a ex-mulher usava, o gosto do seu batom e sentiu nas coxas da garota, a textura madura do passado. Lembranças da vida que não mais teria.

[Ouvindo: DownThe Road Apiece - Rolling Stones - Now]

Um comentário:

Cícero disse...

Interessante esse conto.
Gostei!