Sempre gostei do pôr-do-sol aqui. É clichê, mas uma volta pela Mulholland Drive no fim de tarde relaxa e aguça os sentidos. Faz esquecer a vida suja e doce de todo dia. Cara, tô virando um colecionador de clichês.
Ainda assim, aproveito o restinho de sol no rosto, o vento entrando pela janela aberta do Buick caindo aos pedaços. Fazer o quê. A vida é uma merda para um jornalista cucaracho em LA. Ou, poderia dizer que LA é uma merda. Jornalistas cucarachos são uma merda. A vida é uma merda.
Ainda bem que o pôr-do-sol na Mulholland Drive sempre estará aqui. Quer dizer, não se depender dos catastrofistas tipo Al Gore. Vai que estão certos. Melhor aproveitar agora. Nem que seja respirando esse ar inebriante. Efeito do dióxido de carbono, eu sei. Mas é mais barato que pó.
Aliás, uma carreira agora cairia bem. Mas nunca antes do trabalho. É bom estar esperto. Nunca se sabe o que vem pela frente. Quer dizer, eu até sei, mas melhor curtir o pôr-do-sol. Sei que quando entrar na Beverly Glen eu acordo do sonho e viro o mesmo bicho de sempre. Nojento, ao gosto do freguês.
Impossível não odiar essa cidade. Impossível não amá-la. O pôr-do-sol e junkies vagando nas ruas, as lambidas do pacífico e as lambidas de cachorros doentes. Tudo é LA. Eu sou LA. Sempre fui, desde pequeninho. Só não sabia. Vim descobrir aqui.
Uma última curva e cá estou. O pôr-do-sol, o ocaso, a última luz da minha vida. Taí, clichê atrás de clichê. Ainda bem que não ganho mais a vida vendendo palavras. Até elas se esgotaram. Que se foda. Paro o Buick numa transversal, caminho a até a Sunset e dou meu primeiro oi:
- Hi, gorgeous. Looking for a date?
[Ouvindo: Women - Def Leppard - Hysteria]