"Puta que pariu" foi a primeira frase que veio à cabeça do autor para começar o conto. O importante é ganhar o leitor na primeira frase, com impacto. Então:
– Puta que pariu – exclamou com um sorriso o personagem de nome comum que é para o leitor se identificar mais fácil. João ainda era um gurizote, mas nunca tinha visto mulher tão linda. E ainda mais sorrindo pra ele.
João começou a derreter dentro da camiseta bege escrito "Ratos de Praia", uma marca de surf famosa na época, porque é importante ser preciso para dar veracidade à história. Além disso, os pequenos detalhes ajudam a definir situação e tempo do conto. Com as costas já empapadas de suor, mais por causa do sorriso da morena alta, de olhos verdes e corpo perfeito do que pelo esforço de jogar pacau com Adroaldo, Lin e Sandro. O nome dos personagens secundários não é tão importante, mas também não precisa exagerar. Um nome estranho basta. O resto tem que ser verossímil.
O bolinho de fichas diminuía ao lado da mesa e nada dela ou da amiga se afastarem. João criou coragem e olhou para a garota, se esforçando para concentrar o foco no rosto, e não no decote ou na pele branca dos seios.
– Cansei de jogar. Vamos tomar um sorvete?
Ele mesmo ficou impressionado com a atitude e o autor também, embora soubesse que esses pequenos clímax são importantes para manter o leitor atento na história.
Mas atento mesmo estava João, mergulhando no verde dos olhos de Priscilla, assim com dois eles. Era de Florianópolis e estava na casa de parentes, passando duas semanas em Balneário Gaivota. Estava gostando, sim, mas o mar era muito bravo e ela pouco ia à praia, dados importantes para se definir a personalidade do personagem e que explicam um pouco o porquê da bancura da pele da garota. É parte do jogo de texto fazer o leitor entender por si as conexões entre uma parte e outra do conto.
– Durante o dia eu prefiro as praias de Floripa, mas a noite aqui é mais legal, mais tranquila – completou a garota, querendo parecer cosmopolita.
"Se ela tá querendo impressionar, é um bom sinal", pensou João, enquanto pagava as duas casquinhas de sorvete. Isso num tempo em que Balneário Gaivota não tinha brigas de rua, não sofria com gangues vindas da região metropolitana de Porto Alegre para atazanar os moradores. Era populada, basicamente, por gente que morava nas cidades próximas e isso já diz bastante sobre a diegese da história.
Os dois subiram a rua sem destino certo, tomando seu sorvete e conversando. Coisas bobas, que fazem todo o sentido quando se é adolescente. João, destro, terminou primeiro a casquinha de chocolate. A mão esquerda de Priscilla, nessa altura já chamada de Pri, deu bobeira e foi engolfada pela mão de João, sem resistência. Num momento assim é que o autor pensa: "Como é que eu termino essa merda de conto? Tenho que dar uma dica de como essa história acaba". Mas os três seguem em frente – João e Priscilla passeando e o autor escrevendo.
Já no final da rua, próximo do bar onde João e os amigos jogavam pacau até agora há pouco, seis parágrafos acima, os dois pararam como que combinados sobre o que fazer. Devagarinho foram aproximando os rostos e se beijaram de leve, nos lábios. Uma, duas, três vezes. Na quarta, as línguas se enrolaram, João sentindo o gelado do sorvete na boca de Priscilla. Encostaram em um muro qualquer e ficaram por ali mesmo por alguns minutos, até que a garota deu a deixa, que, no fundo no fundo, entrega o final do conto:
– Preciso ir pra casa. Minha tia deve estar esperando. Além disso, minha prima ficou sozinha no bar – disse Priscilla (o autor não esqueceu da personagem sem nome que acompanhava a protagonista e que ainda pode ter um papel importante).
– Vou te ver de novo?
– Claro, estou toda noite por aqui, até ir embora.
Priscilla se virou para encontrar a prima e João foi-se faceiro, orgulhoso de si mesmo, ao encontro dos amigos. Contou que ela era de Florianópolis, que era maravilhosa, tinha uns peitinhos lindos, uma bundinha firme, uma boca quente e beijava muito bem. Era perfeita e podia muito bem ser sua namorada. Quem sabe na noite seguinte.
Priscilla foi caminhando para casa da prima comentando a noite. Disse que João era desajeitado com as mãos, suarento, tinha o hálito meio esquisito e uns papos nada a ver.
– Saco, não posso mais vir para esse lado da praia ou esse chato vai grudar no meu pé – completou a menina, a título de estranhamento, que normalmente é o clímax de um conto, o ponto onde a história dá uma virada e surpreende o leitor. "Esse ficou fraco", pensa o autor. "Mas o leitor dará um desconto, afinal não é mole escrever um bom conto em menos de uma hora", completa, olhando para a morena de olhos verdes e pele branca que ressona suavemente ao seu lado na cama.
[Ouvindo: Royal Orleans - Led Zeppelin - Presence]
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