18 de julho de 2006

A volta

Mal o pé direito tocara o solo de Bauru e já me preocupava com os 900 quilômetros que me separavam de minha casa. Quando o vendedor de automóveis me pegou com uma Saveiro prata na rodoviária, perguntei qual o melhor caminho. "Seguir até Ponta Grossa, no Paraná e de lá descer até Curitiba e Florianópolis". Já não seriam 900 quilômetros, mas apenas 835. Mas o carro continuava sendo um judiado Puma GTE 1976. Se a viagem já seria longa em qualquer automóvel moderno, eu ficava imaginando a aventura que seria num esportivo com motor de Brasília 1600 refrigerado a ar e suspensão por barras de torção. Tecnologia ultrapassada até mesmo para os anos 1970.

Quando vi o carrinho, estacionado em frente à loja em Bauru, torci para que estivesse tudo bem de mecânica. Desci da Saveiro e fui logo ver o carro. Dei uma volta e pude sentir que o bichinho andava bem. Tinha lá seus probleminhas: as portas estavam fora de esquadro; o painel estava bem furado, por chaves e instrumentos que não eram originais; a suspensão traseira precisava de uma regulagem no facão para ele "fechar as pernas"; o estofamento e a fibra estavam castigados pelo tempo e os instrumentos do painel se comportavam de maneira estranha. Podia continuar a lista por um bom tempo, mas acho que isso basta para dar uma idéia geral do carro.

Afinal, eu estava comprando um Puma para restaurar. O segundo modelo mais raro e valorizado de todos os mais de oito mil carros fabricados pela empresa desde sua criação nos anos 1960. O carrinho branco parado numa avenida movimentada de Bauru havia sido, um dia, um dos carros mais caros do Brasil. Os clientes pagavam até 50% de ágio para conseguir um Puma, nos anos 1970. A princípio, os conversíveis, fabricados a partir de 1971, eram os mais valorizados. Mas como eles foram se tornando muito mais comuns do que os fechados, acabaram desvalorizando ao longo do tempo.

Aqui, um parêntese sobre carros antigos. Como colecionar quadros ou esculturas, a atividade de colecionar automóveis exige um pouco de aposta e visão. Quando um merchand vê um pintor promissor, aposta que virará sucesso no futuro e compra alguns quadros seus quando ainda são baratos. O mesmo vale para os carros. Hoje, um Puma GTE "Tubarão" é apenas um carro velho para muitos. Mas eu aposto que em cinco ou dez anos, o valor desses carrinhos vai subir bastante. Além do prazer de ter um carro que acho dos mais bonitos já fabricados no Brasil, ainda estou fazendo um investimento. Aliás, agora já há veículos desses bastante valorizados. No Mercado Livre, um GTE 1975 completamente restaurado está custando R$ 19 mil. Devo gastar bem menos no meu "Tubarãozinho". Fecha parêntese.

Já acertando a papelada com os caras da loja, descobri que o carro estava razoavelmente bom de mecânica porque era de uso normal do antigo dono. Uma pena que ele, como boa parte dos donos de carros velhos no interior paulista, andava misturando um montão de álcool à gasolina. Fuleirex fuel. Os giclês dos dois carburadores do motor foram trocados para deixar entrar mais combustível. Mais uma coisa que eu teria que trocar. Tentei acertar tudo mais rápido possível. Não queria pegar estrada à noite. Aliás, os faróis e a bateria eles tiveram que arrumar minutos antes de eu sair.

Um funcionário da loja me acompanhou até a saída de Bauru e toquei ficha na estrada. O barulho do motor refrigerado a ar a menos de um metro das minhas costas prometia uma viagem longa e cansativa. Mas depois dos primeiro 50 quilômetros, eu já me acostumara. Estava, na verdade, curtindo o carrinho. Fazia quase dois anos que eu garimpava um Puma modelo Tubarão para comprar. Só encontrava carros muito baleados ou carros muito inteiros. Aí o abismo entre um e outro era o preço. Queria comprar um inteiro pelo preço de um baleado. Foi isso que me levou a Bauru.

Das 15h30min até às 18h40min de sexta-feira, viajei sem parar. Só fui dar um descanso para o corpo e para o carrinho em Ibaiti, no Norte do Paraná. Me hospedei num hotelzinho às margens da rodovia e caminhei um pouco pela cidade, para esticar as pernas. Se bem que num Puma se dirige o tempo todo com as pernas e os braços esticados.

Estrada de novo às 7h30min de sábado. Queria ver se fazia uma perna só até São José dos Pinhais até o meio-dia. Pelo ritmo, tudo levava a crer que conseguiria. Estava a menos de 10 quilômetros do cruzamento entre a BR-116, por onde trafegava, e a BR-376, que me levaria a Florianópolis. Foi aí que o motor engasgou, deu umas tossidas e perdeu potência. Uma olhada no hodômetro parcial deu o diagnóstico: falta de combustível. O marcador do tanque não estava funcionando e eu controlava a hora de abastece pela autonomia. Errei feio. Ainda bem que o antigo dono estava rodando no álcool. Um tanque para injeção de gasolina com o motor frio me salvou. Desmontei o reservatório e derramei mais ou menos um litro e meio de gasolina no tanque. Foi o suficiente para me levar ao posto mais próximo. Enchi com gasolina, almocei e parti de novo, agora disposto a parar apenas em Florianópolis.

Mas parei bem antes, dois quilômetros depois do posto. Ao encher o tanque apenas com gasolina, o carrinho teve síndrome de abstinência e parou. Estacionei sob uma árvore ao lado da rodovia e comecei a fuçar no motor. Esgotei o filtro de gasolina, testei a bomba, assoprei mangueiras pra lá e pra cá e nada. Até que um morador próximo me acudiu com o número de um socorro mecânico. Não deu 15 minutos e chegou o guincho. Com uma chave de boca e uma de fenda, ele mexeu no motor e fez o bichinho funcionar.

Estrada de novo e aí foi só uma perna tranquila, escutando AC-DC, Beatles, Nirvana e Foo Fighters no fone de ouvido. Agora, o carrinho que por tanto tempo eu quis repousa na minha garagem. E vai ficar por ali um bom tempo. Pelo menos até eu recuperar minha capacidade de investimento e começar a restaurá-lo como merece esse pequeno pedaço da história da indústria automobilística nacional.

[Ouvindo: Piece Of My Heart - Janis Joplin - Janis Joplin's Greatest Hits]

3 comentários:

Paulo Henrique disse...

Pura aventura! Eu, se tivesse uma graninha sobrando, trocaria o meu por um novo civic :)
abração

Megui disse...

bem-vindo a casa blogspot.

Anônimo disse...

Você comprou um Puma?! Sonho com um, porque não posso ter um Karmann-Ghia (preço? O último que vi custava R$ 25 mil).
Abraço
Damião