14 de julho de 2006

A ida

A viagem prometia. Quase 900 quilômetros me separavam do destino e o ônibus que me levaria nesta primeira etapa até Londrina, Norte do Paraná, estava 20 minutos atrasado. Era confortável, reclinava bem os bancos e tinha motor silencioso, mas no quesito pontualidade, deixava muito a desejar. Quando saímos da rodoviária de Florianópolis, eu e mais uma vintena de passageiros, já eram quase nove horas da noite. A partida do ônibus estava marcada para oito e meia. Para completar, nem havíamos saído de Florianópolis e o motorista já parara duas vezes: uma para pegar encomendas e outra para sabe-se lá o quê.

Ainda não eram dez horas quando, finalmente, senti o asfalto da BR-101 sob as rodas. As cortinas fechadas e o fone nos ouvidos me embalavam junto com o balanço do veículo. Peguei no sono e só fui acordar em Joinville. Ainda havia muito chão pela frente.

A previsão de chegada em Londrina, ajustada em função do atraso, era para as seis da manhã do dia seguinte. Com alguma sorte, pegaria outro ônibus alguns minutos depois para o meu destino final, Bauru, no interior paulista. Fui acordando entre Joinville e Londrina, de quando em quando. Ia notando pequenas cidades, às vezes uma rodoviária bonita, noutras, só uma modesta parada.

Quando cheguei a Londrina, amanhecia. A cidade estava quieta e só se via vida na estação rodoviária. Sabia que chegara ao interior do Paraná pela cor do asfalto, pelas calçadas e pelo prefixo telefônico nas placas. Já não estava tão distante. Mal saí do ônibus e fui atrás da conexão para Bauru. Só às oito e meia da manhã. Mudei o plano: iria até Marília por uma empresa e de lá para Bauru.

Embarquei às seis e meia num ônibus vagabundo, barulhento e mal-cheiroso. Tasquei os fones no ouvido, um AC-DC bem alto no player do telefone e fiquei olhando a paisagem mudar. Os campos de cultivo de grãos do Paraná foram gradativamente dando lugar aos pomares paulistas. O vermelho nas margens do asfalto foi dando lugar a uma terra mais clara. Até a cor do próprio asfalto parece mimetizar com a terra. No norte do Paraná, as estradas são mais vermelhas do que pretas.

Marília, Giancarlo; Giancarlo, Marília. Fomos apresentados às nove horas, numa estação rodoviária que mais parecia um disco voador. Ônibus para Bauru às nove e meia. Ótimo, se não fosse o atraso do sistema de transporte interurbano, mais uma vez a me assombrar. Só saí dali faltando poucos minutos para as dez, mais uma vez num ônibus ruim e barulhento. Sacudindo como um saco de batatas, teria pelo menos duas horas de viagem pela frente.

Mas me escapara de uma boa: a mesma empresa enviou dois carros para o trajeto Marília-Bauru e num deles entrou um maluco de estrada. O rapaz, nem tão novo, de uns vinte e poucos anos, começou conversando bem alto com um senhor na fila. Depois, xingou a garota que pegava os bilhetes de vagabunda. Em seguida, disse que ela era muito bonita e querida. Andava descalço, de bermudas e camisa rasgada. Um personagem de Jack London. Talvez menos vagabundo, menos poético, menos marginal. E, definitiva diferença, andávamos em ônibus, não em vagões de trens de carga.

Longe do maluco, segui sacolejando rumo a Bauru. Olhando os pomares, as obras na estrada, lendo placas e orientações. Guardando informação e consultando o Guia Rodoviário Quatro Rodas de tempos em tempos. Os dados seriam úteis em breve, quando começasse a voltar a Florianópolis. Cheguei a Bauru ao meio-dia e de lá sairia dirigindo um Puma GTE 1976, branco, modelo tubarão, meu único companheiro pelos próximos dois dias na viagem de 835 quilômetros até minha casa.

[Ouvindo: Sheep - Pink Floyd - Animals]

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