No restaurante a quilo, um rapaz de vinte e tantos anos conversava animadamente com a moça de vinte e poucos. Cabelos curtos, barba rala e olhar brilhante, sentado na ponta da cadeira, sem um prato sequer de comida à sua frente, o rapaz contava sobre sua namorada. A garota loura, de blusinha tomara-que-caia rosa, nariz afilado e maquiagem carregada, ouvia a narrativa entre uma garfada e outra.
O rapaz contava da noite anterior, quando havia levado a menina objeto de sua afeição ao cinema. Relatava tudo com uma inocência incondizente com a sua aparente idade. Falava sobre pegarem as mãos um do outro, sobre como ele estava nervoso e como ele havia “pedido a mão dela em namoro”.
A mesa comunitária me permitiu ouvir a conversa em silêncio, enquanto comia devagar. A garota que fazia papel de confidente, pelo menos quatro ou cinco anos mais nova do que o rapaz, eventualmente encorajava o detalhamento de uma outra emoção. Mas ao olhar para ela, via-se que não tinha paciência para toda a narrativa do amigo.
Trabalhavam juntos, disso não tenho dúvida. Mas havia algo mais na relação dos dois. A impaciência da garota, o jeito como ela olhava para o rapaz, sei lá. Só fui descobrir quando ele se despediu, pagou e foi embora. A moça ficou e ligou para uma amiga. Nesse ponto, eu já estava terminando meu almoço, mas enrolei para ver se extraía mais alguma informação.
No telefone, a garota queixou-se que o fulano – já não recordo o nome – era um idiota mesmo. Que tinha saído com aquelazinha e ainda contava tudo para ela. “O que tenho que fazer para ele ver que eu tô a fim dele”, ela perguntou para a amiga. Me deu vontade de responder que abrisse o jogo, que falasse para o cara, porque, meio abobado como era o rapaz, jamais adivinharia. Mas fiquei quieto, dando uma última olhada para a garota maquiada de blusinha tomara-que-caia rosa. Ela pode conseguir coisa melhor do que ele.
Um comentário:
"Foi numa tarde em que Maria foi encontrá-lo na rodoviária. O dia estava lindo e não tinha por que não estar. Eles eram diferentes e todo mundo dizia que um completava o outro. Maria era quase mais alta que ele e, ainda assim, ele era quase intocável. Ele nunca ligava e, quando o fazia, ainda assim, não ligava. Maria o amava, ele se deixava amar.
Ela tinha bom gosto para música, livros e cinema. Era orgulhosa, cheia de si. Falava três línguas. E precisava dele para se sentir viva.
Mas naquela tarde de novembro, Maria ficou imaginando como seria se não fosse daquele jeito. Enquanto segurava a mão dele, pensou em outras mãos e outros corpos e outras salivas e outras ruas e outra história. Enquanto ele quase a amava, ela descobriu que tinha um mundo pra entender.
O garoto parou de olhar pra rua e olhou pra ela, mas ela não estava mais lá. Maria pensou que morreria, mas não morreu. Aconteceu. Foi triste como tinha que ser e depois passou, como tudo passa.
Maria lembrou disso dez anos depois, numa rodoviária, indo embora. Sempre com essa mania de ir e não guardar as coisas refletidas. Ela lembrou porque, se tivesse sido diferente, doeria igual.
Ele ficou lá no interior, criando raízes. Maria saiu voando." (Duda de Oliveira)
Lembrei desse meu texto, escrito há uns três anos, quando me pus no lugar da menina de tomara-que-caia cor de rosa. Apesar de não usar tomara-que-caia.
Bom texto. Um beijo.
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