12 de janeiro de 2007

Anticlímax

Essa é uma história sem desfecho surpreeendente. O leitor não deve esperar surpresas, viradas, hábeis jogos de palavras no final. Aliás, se estiver lendo atrás de algo do gênero, desista. Vá procurar os demônios e assombrações de Stephen King, as engendradas revelações de Hercule Poirot ou Miss Marple nos livros de Agatha Christie, as emoções de frases curtas e parágrafos mínimos de Dan Brown ou seus genéricos.

Isso não é sequer um conto. Não tem estranhamento, não tem dicas de como a história se resolve. Ou tem? Já não sei. Se quiser descobrir o que é um bom conto, encontrar seus elementos literários, vá afundar os olhos em um bom Cortázar, em García Márquez. Ou pegue um bom brasileiro: Rubem Braga, Machado, Veríssimo, o filho. Só não leia mais desse texto. Não vá adiante.

Só prossiga se sofre do coração, não lida bem com emoções, acabou de sair da terapia e quer calma e quietude. Se seu tempo vale pouco ou nada, siga adiante. Uma palavra após a outra, esse texto se repete, vai ficando mais chato e mais sem graça. Depois não diga que não avisei.

Anderson é estúpido. Atravessa seus dias numa vidinha medíocre que podia muito bem ser encerrada por um Volvo N10 carregado de melancias ou um câncer terminal sem que alguém desse pela sua falta. Mas seria demais, muitas emoções. Portanto, tedioso, Anderson prosseguia existindo. Ia aos mesmos lugares, sempre. Com as mesmas pessoas, sempre. Falava as mesmas coisas, sempre.

Até que num desses lugares de sempre, com as pessoas de sempre e falando as coisas de sempre, ele viu Daniella. Um observador mais atento notaria o brilho no olhar de Anderson. Mas teria que ser muito sensitivo para notar, no meio de tanta pequenez. Daniella não era, e não deu bola para os olhares de Anderson.

Ele, na sua pasmaceira usual, nada fez por exatos 118 minutos. Mas quase ao cabo de duas horas desde que notara a garota ruiva, de nariz levemente arredondado e bochechas rosadas pelo álcool, ele levantou da mesa em que estava e sentou ao seu lado. Balbuciou uma dúzia de palavras que sequer lembra quais foram e esperou a reação a garota. Ouviu em resposta um "vê se se toca", seguido de um "me erra, mané". Anderson voltou para sua mesa e tudo seguiu exatamente igual.

Eu avisei.

[Ouvindo: Fascination Street - The Cure - Disintegration]

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