Com as devidas reverências à criatividade dos colegas da Talk Brasília
Tava lá o corpo estendido no chão. Bem, não era um corpo, mas um iPhone. E o chão era o asfalto quente da W3, perto do Setor Hoteleiro Norte, em Brasília. Reginaldo desceu do carro, parado no semáforo, apanhou o iPhone e soprou a poeira vermelha do LCD. Correu para sentar-se ao volante do Renault Sandero antes que o sinal abrisse. Largou o telefone da Apple no banco do carona e seguiu para o trabalho como fazia todo dia.
Enquanto esperava o elevador que o levaria da garagem subterrânea ao segundo andar, começou a mexer no aparelho. Aparentemente, ele ligava, mas a tela estava apagada. Era possível ouvir os ruídos de ligar, desligar, mudar tela. Mas, pesquisar por um número, pelo nome do dono era impossível.
“OK, sem problemas. Assim que chegar ao escritório eu sincronizo ele com meu computador e recupero os dados”. Reginaldo tinha esperança de encontrar o dono do aparelho, solidário que era aos parceiros admiradores dos equipamentos produzidos pela Apple.
Não que Reginaldo fosse daqueles seguidores fanáticos da empresa californiana. Ele não era da Steve Jobs Church of Redemption. Longe disso. Gostava do iPhone, dos Macs, do iPod. Mas não chegaria a tatuar uma maçã no braço. Respeitava os fãs, mas procurava manter distância dos exageros.
Ao acessar o telefone, descobriu que pertencia a uma garota. Havia várias fotos dela no aparelho. Idade entre 20 e 25 anos, loura, olhos entre azuis e verdes, rosto redondo e simétrico, corpo muito bonito – uma sequência de auto-retratos dela vestindo um biquíni preto, tiradas a bordo de uma lancha no que parecia ser o lago Paranoá, davam a dica.
“Tá aí alguém que vale procurar para devolver o telefone”, pensou Reginaldo. A colega de trabalho, Katilene, espiou as fotos e sorrindo brincou:
- Namorada nova?
- Não, essas fotos estavam num iPhone que encontrei na rua. A tela não funciona, mas de resto o aparelho tá intacto. Essa deve ser a dona.
- Bonita, hein?
- É, bastante. Vou ver se acho ela para devolver o aparelho. O mais louco é que tava caído no meio da W3.
Nesse momento, Felício, que já havia ouvido parte da conversa, entra no papo.
- Cara, ouvi dizer que é muito comum em sequestros-relâmpago os bandidos jogarem o celular do sequestrado para fora do carro.
- Não pode. Será que a menina foi sequestrada? – Pergunta-se em voz alta Reginaldo.
- É uma possibilidade – arrisca Katilene.
Depois de discutir um tanto, resolvem que o melhor é ligar para um número de telefone associado a um dos compromissos na agenda do telefone, uma consulta ao dentista.
- Alô, eu encontrei um telefone e diz na agenda que o dono ou dona teria uma consulta agora com o dentista que atende nesse número. Sim, arrã. Certo. Não sei o nome. É, pode ser. Você a conhece? Isso, loura, olhos claros… Arrã. Se ela ligar ou aparecer, você pode pedir que ligue para o fone 5555-0550? Obrigado.
- E aí? – Perguntou, interessadíssimo, Felício.
Reginaldo encheu os ouvidos atentos de Felício e Katilene com informação. Sim, o telefone era da lourinha das fotos. O nome dela era Paula e não havia comparecido à consulta com o dentista. A secretária do consultório ligara há pouco para a casa dela e a mãe da menina falou que ela saiu para a consulta nas primeiras horas da manhã.
Os três se olharam e pensaram seriamente que sim, a garota havia sido sequestrada. Preocupado, Reginaldo pegou o telefone e ligou para João, um amigo investigador da Polícia Civil do DF. Depois de trocarem cortesias, João ouviu a história e prometeu fazer uma breve investigação.
Só depois do almoço, lá pelas duas da tarde é que Reginaldo teve notícias de João. Alguns telefonemas, uma visita ao Ministério da Fazenda, onde Paula estagiava todos os dias pela manhã, e uma conversa com os pais da menina fizeram João acreditar na hipótese de sequestro. Comovido com a preocupação da mãe e meio sem saber porque o amigo estava tão preocupado com uma desconhecida, João acionou um alerta para o carro da garota.
Não demorou muito para que a Polícia Militar localizasse o carro estacionado na entrada de uma casa em Sobradinho, uma das cidades-satélites de Brasília. Quando João ligou perguntando se Reginaldo não gostaria de acompanhá-lo, com o intuito de ajudar a reconhecer a garota caso ela estivesse na casa, não houve debate.
- Sabe como é, complicado de pedir aos pais. A coisa pode tomar um rumo mais emocional e nos causar problemas.
Sentados num carro sem identificação, à paisana e com as ruas próxima fechadas por viaturas da PM, Reginaldo, João e um segundo policial esperaram algum movimento na casa. Não se passou mais de uma hora quando dois homens, ainda dois garotos, de pouco mais de 18 anos, saíram da casa segurando Paula pelos braços. Reginaldo reconheceu-a na hora.
- É ela – foi a deixa para os dois policiais falarem alguns códigos pelo rádio e saltarem do carro rapidamente, prendendo e desarmando os garotos ainda quando entravam no carro.
Uma prisão tranquila, sem que os sequestradores tivessem tempo de disparar um único tiro ou machucar a refém.
A menina, assim que foi libertada, disparou a chorar convulsivamente. João aproximou-se da garota e contou a história de como haviam descoberto seu cativeiro e o que havia levado a polícia a procurá-la.
- Esse cara é o teu herói, Paula – disse o policial, apontando para Reginaldo.
Ela abraçou forte o rapaz. Ele a abraçou de volta. Reginaldo tirou o telefone do bolso com uma das mãos e entregou a menina, que ainda chorava com o rosto colado no seu ombro, buscando segurança e conforto. Ela esboçou um sorriso e voltou a recostar o rosto no ombro do rapaz. E descobriu ali segurança e conforto. E ele, alguém para confortar e dar segurança. Reginaldo pensou: “De vezem quando, vale a pena fazer uma boa ação”.